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Opinião Pacifica #7 - Progressão Natural



Bons dias caros leitores e sejam bem-vindos a mais um Opinião Pacifica. Bem, na semana passada falamos sobre o paradigma actual do mundo do wrestling, como as coisas estão a mudar e, principalmente, como as companhias independentes estão a influenciar a forma como as grandes companhias estão a trabalhar o seu produto. Hoje queria falar-vos de um caso específico, de uma companhia em particular que tenho acompanho com especial carinho. Hoje venho falar-vos da PROGRESS Wrestling.

Situando-vos no tempo, estávamos a meios de 2014, um ano de alguma qualidade até, para a WWE. Tínhamos acabado de assistir á ascensão de Daniel Bryan ao topo da cadeia alimentar da WWE, ganhando o titulo principal da empresa na Wrestlemania, estávamos a assistir a um dos angles que mais buzz iria provocar em muitos anos, ou seja, a separação dos SHIELD, e o CM Punk já tinha saído da empresa há uns bons meses. Também nesse ano, foi quando todos ficamos chocados e choramos a primeira derrota de Undertaker na Wrestlemania para a besta, Brock Lesnar.

Ao mesmo tempo que tudo isto, uma pequena companhia independente de Londres estava a começar a fazer algum buzz. Um gótico qualquer andava a fazer umas cenas maradas para os lados das terras de sua majestade, coisas algo macabras mesmo. E é quando acontece algo que viria a mudar a forma como eu via o wrestling, definitivamente. A 30 de Junho de 2014, a PROGRESS Wrestling, derivado a umas dificuldades técnicas na edição do seu show, o Chapter 13: Unbelivable Jeff!, decide que as imagens que têm do mesmo não têm qualidade suficiente para serem vendidas ao publico, por isso, decidem disponibilizar o show, na sua integra, de forma gratuita, no canal do Youtube da companhia.




Eu que, na altura, estava a começar a alargar os meus horizontes enquanto fã, tanto que no inicio do ano tinha começado a acompanhar New Japan Pro Wrestling e Ring of Honor, andava à procura de um produto um pouco diferente, algo ais alternativo, algo mais... Punk Rock Wrestling. Então, ao ouvir que algo de bastante diferente andava a ser feito tão próximo de mim (perto como quem diz, mas o facto de ficar na Europa, o sentido de proximidade é muito maior, logo, a relação que criei com a companhia também foi muito maior por causa disso), tinha que investigar. Ao encontrar este show no Youtube, decidi assistir e, a partir dai, fiquei vidrado. Adorei tudo a cerca da companhia. O seu estilo mais underground, as personagens mais cruas e “alternativas”, a atmosfera incrível que os fãs davam aos shows, tudo.

Personas como “Anti-Hero” Tommy End, “King of the Goths” Jimmy Havoc ou o “Technical Wizard” Zack Sabre Jr. começaram a fazer parte da minha “lista” de wrestlers favoritos. No mesmo show, alguns jovens wreslters, “soon to be stars”, por assim dizer, também marcavam a sua presença. Will Ospreay, Pete Dunne (uns anos antes de este encarnar a sua personagem de Bruiserwieght) e Mark Andrews foram dos mais impressionantes no show, não só pelo que faziam em ringue, mas também pelo facto de serem ainda tão jovens e já tão bons. E, a cereja em cima do bolo, a presença de Prince Devitt, que começava a brincar com as pinturas corporais e neste show, fantasiou-se de Joker.



Foi a única coisa que consegui ver da companhia durante quase um ano. Era bastante difícil arranjar shows pirateados da mesma, pois ela ainda não era assim tão conhecida para as pessoas darem-se ao trabalho de colocar os Chapters nos habituais sites. Ia vendo os vídeos que eles iam metendo no Youtube, acompanhando os resultados, as conversas do grupo oficial de fãs da companhia e pouco mais. Mas, eis que aparece o Chapter 19, o primeiro Super Strong Style 16 (torneio anual da companhia), que cai num site pirata e, a partir dai, tudo muda. Começo a assistir aos shows da companhia religiosamente e, até ao dia de hoje, penso não ter falhado nenhum.

Mais de três anos e quase quarenta Chapters assistidos depois, posso afirmar com toda a certeza: a PROGRESS sabe realmente fazer as coisas. Alias, é das empresas de Wrestling, senão mesmo a (lembro-me apenas da New Japan) que tenha um booking tão consistente, shows tão bons, storylines tão atractivas e personagens tão cativantes. E a verdade é que, é tudo tão simples e, ao mesmo tempo, tão eficaz, que ficamos a pensar como raio é que as grandes companhias como a WWE ou até a TNA (ou lá qual seja o nome que eles têm agora) e a ROH, têm tanta dificuldade em criar coisas tão cativantes. Querem que eu vos explique? Ora vamos lá.

Algo que eu tenho percebido, ao longo destes anos que eu assisto PROGRESS, é que eles descobriram algo a que eu poderia chamar de “Formula de Sucesso”. Uma espécie de linha condutora, uma lógica que eles seguem para chegar sempre ao mesmo resultado: um embate de grande magnitude entre duas personagens bastante overs, um heel e um face, de modo a criar, assim, duas novas estrelas. Ora vejamos.

Vou pegar nos três casos que consegui identificar do uso desta metodologia: - O primeiro, no Chapter 20: Thunderbastard – Beyond Thunderbastard, o Main Event pelo título da PROGRESS Wrestling, o campeão Jimmy Havoc vs Will Ospreay; - o segundo, no Chapter 36: We are going to need a bigger room… again!, uma triple treath pelo titulo da PROGRESS, o campeão Marty Scurll contra o Tommy End e Mark Haskins; - o terceiro, no Chapter 55: Chase the Sun, o embate entre o campeão da PROGRESS Wrestling e WWE UK Champion, Pete Dunne, contra Travis Banks.



Vamos então tentar ver as semelhanças entre os três casos. No primeiro, temos o campeão, Jimmy Havoc, que durante mais de ano e meio instalou um reinado de terror na PROGRESS, com a sua Stable, os REGRESSION, contra Will Ospreay, um jovem lutador, um underdog babyface, que tem sido a principal cara e a ultima esperança da PROGRESS nesta luta contra Havoc e os seus seguidores. Jimmy tinha conquistado o titulo no Chapter 10, contra Mark Andrews, cobrando uma espécie de Money In the Bank que lhe tinha sido atribuído pelo dono da companhia. Mark Andrews tinha acabado de ganhar o título e era o top babyface da companhia na altura, a par de Havoc e o heel turn deste foi decisivo para o sucesso da PROGRESS.

Contra tudo e contra todos, numa história que durou mais de dois anos, desde o surgimento de Jimmy como um dos maiores babyfaces da companhia, o seu heel turn, o seu reinado e o combate do Chapter 20, Will Ospreay consegue finalmente destronar o campeão da PROGRESS e consolidar-se como uma das novas caras do wrestling britânico.


Ospreay foi, de facto, a par de Jimmy Havoc, a primeira grande estrela que a PROGRESS lançou para a estratosfera do wrestling independente britânico. Apanharam num lutador jovem, com bastante talento em ringue, bastante “likeable”, ainda pouco conhecido e meteram-no contra um dos heels mais “hot” do momento, de forma a transferir todo aquele heat e dar destaque ao jovem babyface. Para ser honesto, isto é Wrestling 101, mas, resulta. Tanto que resulta, que o destaque que Will Ospreay recebeu de ter vencido Jimmy Havoc no Chapter 20 e de se ter tornado a cara da companhia, traduziu-se no início da ascensão do jovem William. Logo a seguir à conquista do título, Ospreay começa a aparecer na Pro Wrestling Guerrilla e, poucos meses depois, faz a sua estreia na New Japan Pro Wrestling, sendo que pouco antes este “teve o descaramento” de rejeitar uma proposta de contrato com a EVOLVE que, mais cedo ou mais tarde, daria acesso ao NXT.


Não digo que a PROGRESS Wrestling tenha sido a “única culpada” pelo sucesso de Ospreay, porque, para sermos honestos, o único responsável pelo sucesso que Will teve, é o próprio Will, mas a PROGRESS foi a maior plataforma para exposição que este teve para o seu sucesso. Sim, houve outras companhias, como a Revolution Pro, que apostaram no jovem Ospreay, mas a PROGRESS foi a principal a premir o gatilho.

Nota: Ospreay conseguiu a sua oportunidade ao titulo de Jimmy Havoc, no Chapter 20, vencendo o tal torneio que falei antes, o Super Strong Style 16. Fixem isto, é importante.



No segundo caso temos Marty Scurll como campeão, um campeão heel. Scurll ganhou o título depois de fazer um heel turn no Chapter 21, atacando Kris Travis (muitos de vocês podem não saber, mas Kris Travis era um lutador que tinha acabado de regressar ao Wrestling quando Scurll o atacou, depois de um ano fora a combater um cancro. Travis viria a falecer uns meses depois, ele era uma das figuras mais adoradas do wrestling britânico). Marty adoptou uma nova postura, muito mais… “vilanesca” e acabou por ganhar o titulo num combate épico contra Will Ospreay no Chapter 25.

Scurll começa então o seu reinado que atravessa batalhas épicas, quer seja contra Mark Haskins, contra Tommy End ou contra Chris Hero. Mark Haskins é o underdog babyface deste caso, o homem de família, um wrestler técnico, bastante polivalente e que tem entregado ao mais alto nível já há largos meses e acabou por tornar-se um dos favoritos dos fãs. Tommy End é uma figura misteriosa no meio disto tudo e acaba por estar um pouco “a mais”, ao mesmo tempo em que vem dar uma nova dinâmica ao embate.



Tommy End teve uma feud com Scurll durante o seu reinado e, acredito que, os planos para ele, para o Chapter 36 (que foi, na altura, o maior evento da companhia até à data), deveriam ser outros, mas com a ida do holandês para a WWE, a PROGRESS certamente que mudou os seus planos para o incluir no Main Event do Chapter 36. Mark Haskins era para ganhar o Super Strong Style 16, mas acabou por não o fazer pois teve uma lesão a meio do torneio e, quem o ganhou foi Tommy End.

Depois disso tudo, e continuando o seu reinado vilanesco, cheio de batotas e novas formas de reter o seu título, com Mark Haskins de volta e Tommy End todo lixado depois de ver a sua oportunidade pelo título no Chapter 32 ter acabado por shenneningas, é marcado o Triple Threat para o Chapter 36 entre End, Haskins e Scurll.



Como já disse, End não era suposto, de forma alguma, estar neste combate e isso nota-se pelo booking que antecede ao Chapter 36. Por isso, foquemo-nos na história Scurll vs Haskins. Um heel carismático, que já vinha sendo construído para ganhar o título muito antes de chegar a altura de o ganhar, com um “reinado de terror” e de dominância. Um babyface adorado pelo público, um lutador que ainda não teve grandes oportunidades para brilhar como a cara de uma companhia, um excelente lutador em ringue. É a mesma lógica do Havoc vs Ospreay. Construir um heel cheio de heat e transferir esse heat para um babyface que, de outra forma, teria mais dificuldade em captar esse heat. Haskins acabou por ganhar o título no Chapter 36.


Vamos para o terceiro, o último e o caso mais recente. Pete Dunne vs Travis Banks no Chapter 55. De um lado temos o WWE UK Champion. Um dos melhores heels a sair do Reino Unido (e, para ser honesto, da cena indy e, talvez, do mundo mesmo) actualmente. Do outro lado, temos um babyface underdog, excelente lutador técnico, que ainda não teve grandes oportunidades para se afirmar com um dos grandes… ok, acho que já perceberam por onde é que isto vai.



Pete Dunne é o líder dos British Strong Style, stable constituída por ele, Tyler Bate (o outro miúdo que ganhou o WWE UK Title, lembram-se?) e Trent Seven (anda pelo NXT, devem conhecer). Juntos, têm dominado a PROGRESS desde, sensivelmente, um ano para cá. A stable coleccionou os títulos de tag team da PROGRESS por três vezes e o titulo da PROGRESS por uma vez, além de tanto Tyler como Pete terem ganho o WWE UK Title. São uma das stables mais dominantes e de maior importância no Reino Unido, e nem estou a contar com os títulos ganhos fora da PROGRESS. A filosofia da stable e, o que fez com que ganhassem tanto heat, é que eles afirmavam que não necessitavam da PROGRESS, que a PROGRESS é que necessitava de estrelas de renome mundial como eles, campeões e estrelas da WWE, algo como CM Punk fez na ROH no verão de 2005.


Pete Dunne ganhou o título depois de Mark Haskins ter mais uma lesão e ter que deixar o título vago. Pete ganhou uma espécie de torneio no Chapter 39. Travis Banks ganhou a oportunidade pelo título, mais uma vez, através do Super Strong Style 16.


No Chapter 55, num grande combate, vimos o culminar da história da ascensão de Travis Banks, um underdog que teve que fazer a transição do lutador de tag team (com TK Cooper como parte dos South Pacific Power Trip) para o lutador de singles, ganhar o apoio dos fãs e ter que lidar com os British Strong Style.



Depois de termos analisado os três casos, podemos ver o sistema da PROGRESS. Número um: construir um vilão (heel) clássico, como vemos nos casos de Havoc, Scurll e Dunne, dar-lhes destaque e storylines para receberem heat. Depois, é mete-los a ganhar o titulo ao top babyface da companhia, para que fiquem completamente consolidados e ganhem ainda mais heat (Havoc "roubou" o título a Mandrews, Scurll conquistou o titulo a Ospreay e Dunne, apesar de não ter ganho o título a Haskins, meio que foi o seu sucessor).

Uma coisa a notar, os heels nunca necessitaram de ganhar o SSS16 para vencerem o título. Sempre o fizeram ganhando as suas próprias oportunidades, de uma forma mais limpa ou não. Já os faces sempre necessitaram de "uma desculpa" para serem os contenders. Isto vem da dificuldade, não só da PROGRESS mas de todo o mundo do wrestling, em criar faces suficientemente credíveis para que possam desafiar pelo título e ganhar, sem algo por trás a dizer "esta pessoa ganhou e mereceu esta oportunidade pelo título".

Continuando o raciocínio, depois de os Heels estarem consolidados, vem o trabalho de criar um Face para opor-se ao reinado de terror do campeão. Ospreay, Haskins e Banks, todos tiveram que "escalar a montanha", tiveram a vida imensamente dificultada até chegar onde chegaram. E quando lá chegaram, foi uma festa emocional. A PROGRESS faz sempre estas mudanças de títulos nos seus maiores shows do ano. Chapter 20 tinha sido o show mais importante até à data, foi em 2015. Chapter 36 foi o show com maior público pago da PROGRESS, foi em 2016. O Chapter 55 foi o show mais importante da companhia no ano de 2017.



E isto quando não são histórias que se isolam. Havoc ganhou o título a Mandrews. Ospreay ganha o título a Havoc. Scurll ganha o título a Ospreay. Haskins ganha o título a Scurll. Dunne é o sucessor de Haskins e, finalmente, Travis conquista o titulo a Dunne.

Tudo se resume a criação de heat e transferência do mesmo. Consolidação de personagens através da construção destas. E é assim que o wrestling funciona. A unica vez que a PROGRESS tentou variar, que foi dando o título a William Eaver durante o reinado de Scurll (que na verdade foram dois, mas o reinado de Eaver foi tão insignificante que eu conto os reinados de Scurll como um só), deu pro torto e ninguém ficou por trás do novo campeão, tanto que Eaver perdeu o título de novo para Scurll logo no Chapter a seguir.

Esta metodologia da PROGRESS tem funcionado imensamente bem e tem levado a companhia a popularidade quase à escala global. São das companhias mais conhecidas da cena indy e cada vez mais geram maiores públicos. O único defeito disto tudo é o facto de tornar tudo muito previsível. Todos perceberam, com meses de antecedência, as vitórias de Ospreay, Haskins e Banks. Mas a verdade, é que não importa assim tanto, porque a viagem para o destino que nós já sabemos que vamos ter, é muito mais gratificante que o próprio destino. Cenas filosóficas, eu sei.



A PROGRESS tem sido a maior criadora de estrelas da Europa com este simples método, praticamente todos os seus campeões têm sucesso mundial. Ospreay e Scurll estão a matar na NJPW, Pete Dunne é uma estrela na WWE e, apesar de estarem mais nas sidelines, Haskins ee Havoc também são grandes nomes na cena Indy. Banks começa agora a fazer também o seu nome, já começando a ganhar destaque na América, na Pro Wrestling Guerrilla.

Concluindo, a PROGRESS faz tudo de forma tão simples e básica, aplicando os princípios mais rudimentares do booking de wrestling, e conseguem ter o sucesso que têm. Criam estrelas, focam-se no talento nacional, criam histórias que fazem os fãs ficarem vidrados na companhia e entregam shows de grande qualidade. Com uma simplicidade enorme, a PROGRESS conquistou o seu publico e chamou à atenção das grandes companhias de Wrestling de todo o mundo, tanto que a WWE tem uma parceira de trabalho com ela. A par da Pro Wrestling Guerrilla, a PROGRESS Wrestling é a melhor companhia independente e a de mais sucesso. Sim, porque companhias independentes já não tem o mesmo significado que antes. Uma companhia independente são aquelas que, na minha opinião, não têm contrato de televisão, o que exclui de imediato companhias como a New Japan Pro Wrestling, Ring of Honor e TNA.

Bem meus amigos, este foi o Opinião Pacifica desta semana. Espero que tenham gostado e espero que falem ai nos comentários sobre o tema desta semana. Falem do que acham da forma como a PROGRESS constroi e booka as suas estrelas, a forma como as storylines são feitas e como a companhia tem ascendido ao topo do wrestling independente e, claro, se concordam. O meu nome é Marco Paz e este foi o Opinião Pacifica. Não percam o proximo episódio, porque nós... também não! PEACE!
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